sexta-feira, 14 de julho de 2017

Primeiro banco de pele animal do País é inaugurado no Ceará


Anualmente são registrados um milhão de acidentes com queimaduras, sendo cerca de 3,6 mil apenas no Ceará. Atualmente, a técnica tradicional, com uso de sulfadiazina de prata, provoca muita dor no paciente, além de riscos de infecção. Uma pesquisa sobre o uso da pele da tilápia como curativo natural de queimados apontou diversas vantagens da nova técnica em relação ao tratamento clássico.
Na manhã de ontem, pesquisadores do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará, em parceria com o Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), inauguraram o primeiro banco de pele animal do Brasil. O equipamento é resultado da terceira e última fase da pesquisa sobre o uso da pele da tilápia.
A pesquisa constatou, na fase clínica, com humanos, inúmeras vantagens do uso da pele da tilápia. “A pele da tilápia faz exatamente o que gostaríamos, que é aderir ao leito da ferida, bloqueando essa ferida do meio externo e, com isso, evitando contaminação, além de evitar perda de líquido”, revela o médico Edmar Maciel Lima Júnior, coordenador da pesquisa.
Uma das grandes vantagens é a redução da dor sentida com a constante troca dos curativos. No caso da pele da tilápia, a dor vai sendo reduzida, ao passo que com o tratamento convencional ela começa a diminuir a partir do sétimo dia.
Além disso, os médicos também constataram redução do tempo de cicatrização das lesões. Em pacientes com queimaduras de segundo grau, o tratamento conseguiu ser reduzido em um dia e meio. No grupo de internados – pacientes com segundo grau profundo – o tratamento em média é de 21 dias para cicatrização. “Conseguimos uma redução de dois dias e meio nesse processo de cicatrização”, disse Edmar Maciel. Por fim, as pesquisas apontam ainda uma redução no custo do tratamento ambulatorial da ordem de 57%.
Pesquisa
A pesquisa sobre o uso da pele da tilápia para queimados foi realizada em inúmeras fases. Somente na fase pré-clínica (antes de ser aplicada em humanos), foram 12 etapas, desde a captação das espécies à detecção da proteína colágeno tipo 1 em grandes quantidades, até estudos que garantiam que não haveria contaminação de vírus.
Edmar Maciel Lima Júnior lembrou que a técnica tradicional, com uso de sulfadiazina de prata, é a mesma há 50 anos e provoca muita dor no paciente, além de permitir sérios riscos de infecção e perda de líquidos corporais. “Temos uma dívida de 50 anos com esse tratamento”, disse.
A partir de todos os resultados positivos, surgiu a necessidade de criação do banco de peles. “Não tínhamos onde preparar a pele porque a Anvisa não permite que os três bancos de pele humana do Brasil façam isso, com relativa obviedade, juntando a pele humana e animal”, complementou Edmar Maciel.
A novidade alterou a vida de quem tem de se submeter ao tratamento de queimadura. Josué Bezerra Júnior se acidentou no final do ano passado e teve queimaduras de segundo grau profundo. Ele começou seu tratamento no Instituto de Apoio ao Queimado, do Instituto Doutor José Frota, ainda com sulfadiazina de prata, e relata dias de muita dor, especialmente nos momentos de troca dos curativos.
Pouco depois, foi apresentado ao modelo ainda experimental com pele da tilápia. Aceitou participar da pesquisa e não se arrepende. “O tratamento de queimaduras é sempre muito doloroso. Mas se eu tivesse que dar uma nota para a dor sentida seria 10 para o tratamento com a ‘sulfa’ e quatro para o com pele da tilápia”, comparou.
Patente
O banco começa com mil unidades de pele de animais, retiradas e tratadas no começo desta semana, em Jaguaribara, conforme protocolos de esterilização e tratamento semelhantes aos utilizados nos bancos de pele humana. O tratamento já possui patente no Brasil e no exterior.
Este primeiro lote de pele deve atender à demanda do Instituto Doutor José Frota (IJF) e a um estudo multicêntrico previsto para o segundo semestre deste ano em Goiás, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, a pele também será destinada a novas aplicações que já vêm sendo pesquisadas pelo NPDM, como, por exemplo, na ginecologia. “A estrutura do NPDM foi concebida com intuito de transformar ideias revolucionárias como essa em um bem social”, explicou o diretor do NPDM e coordenador científico da pesquisa, professor Odorico de Moraes.
Saiba mais
A pesquisa começou a ser realizada em 2014, a partir de uma ideia do cirurgião plástico paraibano Marcelo Borges, que trabalha com queimados há mais de 35 anos. Borges teve a ideia a partir de uma notícia de novembro de 2011, da publicação pernambucana Jornal do Commercio, que dizia que a pele da tilápia estava sendo usada para acessórios femininos. “Daí me veio a ideia de combinar a delicadeza e a resistência desse elemento em um tipo de curativo que pudesse ser utilizado nas queimaduras”, lembrou. (Com informações da UFC).

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