quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Seca denuncia incompetência desde a monarquia

Diante dos chamados fenômenos climáticos extremos, já ficou entendido que, se é impossível evitá-los, o melhor a fazer é tomar medidas de precaução. É óbvio, mas não se aplica às secas no Nordeste. Mesmo que o conhecimento humano na meteorologia tenha avançado bastante, e seja possível fazer previsões com grande antecedência, a cíclica falta de chuvas na região parece sempre apanhar governos de surpresa.
Deve-se reconhecer que a atual seca, considerada a pior dos últimos 50 anos, demonstra grande poder de destruição de plantações e rebanhos. Mas ela já constava há tempos dos mapas de previsão dos especialistas.
Não surpreende que o aparato burocrático criado para tratar de questões como esta se mostre lento, incapaz de formular e executar projetos no ritmo exigido pelos problemas. É uma característica do Estado. E quando formula, não executa.
O exemplo gritante é o projeto de transposição de águas do Rio São Francisco para irrigar o agreste. Discutido já na monarquia, na corte de D. Pedro II, o empreendimento sempre foi centro de intenso conflito político regional, até que, no segundo governo Lula, com Ciro Gomes no Ministério da Integração Nacional, o que estava nas pranchetas começou a se tornar realidade. Não por muito tempo. Mesmo com a participação de destacamentos de engenharia do Exército, frentes de trabalho foram paralisadas por falta de pagamento. Canais já construídos se deterioraram. Perda de tempo e dinheiro.
Em Brasília, gosta-se muito de falar em “obras estruturantes”. Pois esta é uma, e não recebeu a prioridade merecida. Venceu a tradição de se gastar mais na atenuação dos efeitos da seca — carros-pipa, Bolsa Estiagem etc. — do que em projetos de largo alcance. (Também é assim na Serra Fluminense.)
Levantamento da ONG Contas Abertas constatou que, no ano passado, o programa Oferta de Água, do qual constam a construção de barragens, adutoras e a transposição do São Francisco, aparecia no Orçamento com uma dotação de R$ 3,4 bilhões. Porém, foi empenhado apenas R$ 1,9 bilhão, e gastos, de fato, R$ 406,9 milhões.
Quer dizer, obras para reter e transportar água no atacado ficam em segundo plano, enquanto o varejo dos carros-pipa deslocados para encher cisternas de quintal, entre outras ações fáceis de serem capitalizadas pelo coronelismo político, leva a parte do leão do dinheiro público.
A esta altura, não resta mesmo muito mais a fazer além de assistir as pessoas. Mas esta seca deveria servir de marco zero no enfrentamento da questão. Já existe conhecimento suficiente para se formular um programa sério, com metas de curto, médio e longo prazos, para enfrentar a seca. Teria, porém, de ser um projeto de Estado, não só de governos.

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