terça-feira, 18 de novembro de 2014

Comunidade dispensa carros-pipa

A implantação de um aparelho dessalinizador mudou a vida da Comunidade de Bom Jesus, distante 35 quilômetros da sede do município de Canindé. O êxito da iniciativa virou exemplo no Sertão. Ao contrário do que ocorre em outros locais onde o equipamento funciona, aqui os moradores são responsáveis pelo gerenciamento e dividem os custos operacionais. A outrora aguardada passagem dos carros-pipa virou coisa do passado.
Sem a garantia de água potável todos os dias, a rotina dos assentados e das comunidades rurais da região era marcada por incertezas e pela presença frequente de carros-pipa e filas de crianças com diarreia no posto de saúde Juarez Alves Pereira devido ao uso de água salobra e imprópria para o consumo.
A mudança de uma situação de insegurança hídrica para a abundância de água veio no início de 2009, quando foi instalada na localidade uma unidade demonstrativa do Programa Água para Todos, do Programa de Aceleramento ao Crescimento (PAC), uma parceria da Secretaria de Recursos Hídricos e a Obras Hidráulicas do Governo do Ceará e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que assegura o acesso à água própria para o consumo humano para as 60 famílias de Bom Jesus.
"O carro-chefe do programa é a água para beber. Antes, a gente tinha que esperar carro-pipa ou bebia a água do Rio Cangati, que é salobra", contou o responsável pela gerência do equipamento, José Oscar Vieira Cavalcante, 63 anos, há seis cuidando do dessalinizador. Para ele, a mudança na qualidade de vida das famílias pode ser vista na sala de espera do posto de saúde da comunidade. "Agora não dá mais diarreia nas crianças. O problema praticamente acabou. Antes, o posto de saúde vivia cheio".
Além da água filtrada pelo dessalinizador, as 60 casas do Bom Jesus também possuem cisternas de placas com capacidade para 16 mil litros, cada uma, construídas em 2010 com recursos dos governos Federal e Estadual. A água dessalinizada também abastece a Escola Padre José Antônio e o posto de saúde Juarez Alves Pereira que funcionam no local, e mais 600 famílias das comunidades vizinhas, como Targinos, Itarumã, Juá, Vila Campos, Morada Nova, Monte Vilar, e Piedade.
Os moradores explicam que compartilham a água dessalinizada com famílias de outras comunidades, principalmente quando a terra está mais seca e a estiagem do Sertão nordestino se assevera. Segundo Francisco Tarcísio Nascimento Silva de, 46 anos, é comum moradores de comunidades da agricultura familiar, distante até 25 km, irem buscar água no chafariz. "Não aceitamos que mude o gerenciamento do projeto. Outro que tomar conta do dessalinizador fracassa. Quando pegar no dinheiro dará outro destino. O Oscar aplica tudo em defesa dos moradores", disse Tarcísio.
Prova disso foi o conserto de R$ 1.800,00 para uma bomba do poço. "O técnico consertou e logo recebeu o dinheiro. A última conta de energia foi R$ 101,00. O lucro diário com a venda da água é de R$ 25,00. Cada ficha custa R$ 0,50 por 20 litros de água", mostrou Oscar com um caderno cheio de anotações.
Ana Cleide, também moradora, é voluntária responsável pela entrega da água às famílias. Ela explica que, todo dia, há distribuição de uma cota de 40 litros de água a todos que pedem e que a comunidade estabeleceu prioridades de acordo com as diferentes necessidades.
"Quem tem recém-nascido em casa ou é dono de mercearia pode pegar 60 litros. São dois mil litros de água por dia".
Projeto da UFC prevê criação de tilápia
A água salobra possui salinidade intermediária - entre 5% e 30% da concentração de sal encontrada nos oceanos. Ela é retirada de um poço com vazão de 2,7 mil litros por hora, cavado há seis anos pelo Governo do Estado. Com o auxílio de uma bomba, a água abastece uma caixa com dois mil litros da lavanderia comunitária e outra com capacidade para cinco mil litros que armazena a "água bruta".
Depois, a água segue para o dessalinizador e, impulsionada por uma bomba de alta pressão, passa por três tubos onde seis membranas e quatro filtros retiram o sal.
Dessalinizada, pronta para o consumo humano, segue para uma caixa de dois mil litros de capacidade, que abastece o chafariz com três torneiras onde os agricultores de comunidades vizinhas pegam diariamente sua cota de água potável: 40 litros.
Embora o equipamento tenha capacidade para dessalinizar até 900 litros de água por hora, atualmente são processados apenas dois mil litros por dia, o suficiente para atender às famílias da área e de comunidades vizinhas. "Aqui ninguém se preocupa com carro-pipa. Quem tem coragem pega água para o consumo humano, animal, tomar banho, lavar roupas na hora que quiser", garante José Oscar.
"É o programa mais democrático de dessalinização existente em Canindé", reconhece o Secretário da Agricultura e Recursos Hídricos do Município, José Airton Maciel, que foi conhecer de perto a estrutura para levar ao conhecimento de outras regiões.
Visita
Técnicos de municípios como Quixeramobim, Itapiúna, Choró, Itatira, Madalena, Aratuba e Boa Viagem já vieram conhecer o projeto de gestão ambiental dos moradores de Bom Jesus. O rejeito, ou seja, a água que não é beneficiada no processo de dessalinização, segue para um tanque de contenção, de onde é aproveitada para afazeres domésticos.
A Universidade Federal do Ceará (UFC) tem um estudo pronto para a fabricação de dois tanques de 50 metros de comprimento por 17 de largura, escavados no solo e forrados com lonas apropriadas. Neles são criados peixes tilápia para aumentar a renda familiar dos habitantes. "Já fizemos a doação do terreno e o técnico do Governo do Estado, Antônio Favela, já esteve nos visitando e a implantação do projeto de criatório depende apenas de tempo", garante Maciel.
O programa de dessalinização de água integrado à piscicultura vai ganhar o apoio da Secretaria de Agricultura de Canindé, que vai fazer a doação dos alevinos. Uma equipe voluntária receberá treinamentos e passará a ser a responsável pela troca a cada três meses, pela distribuição da água e ainda pelo controle das condições dos tanques de peixes (temperatura, condutividade elétrica e nível de oxigênio da água) e despesca.
Investimento
O Programa Água para Todos, do Plano Brasil Sem Miséria, tem como meta recuperar, implantar e gerir 1,2 mil sistemas de dessalinização até o fim de 2014, beneficiando 500 mil pessoas com investimentos de R$ 168 milhões.
Os recursos para o programa provêm de convênio firmado entre os ministérios do Meio Ambiente (MMA), do Desenvolvimento Social (MDS) e da Agência Nacional de Águas (ANA).
Mais informações
Programa Água para Todos
Ministério da Integração Nacional
Esplanada dos Ministérios - Bloco E Brasília- DF / CEP: 70.067-901 Telefone: (61) 2034-5800

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